terça-feira, 2 de agosto de 2011

Mito de Eros




Eros é uma das “Divindades Primordiais”, aquelas que pertencem à “pré-história” da Mitologia grega.  Segundo o pensamento órfico (de Orfeu, figura mítica que deu origem a uma doutrina filosófica e religiosa), Eros teria nascido do Ovo primordial (o Caos), engendrado pela Noite, cujas metades se separaram, dando origem à Terra e ao Céu. Ele é o princípio da atração universal, que leva as coisas a se juntarem, criando a vida.  Eros é a força que assegura a coesão interna do Cosmos e a continuidade da vida na terra.  Para Platão, ele seria um dáimon, uma força espiritual intermediária entre a divindade e a humanidade.  Na cultura romana, Eros é confundido com Cupido, filho de Vênus (a deusa do amor) e de Marte (o deus da guerra), representado como uma criança alada, nua, armada com arco e flechas ou com espada e escudo, símbolo da paixão arrebatadora.  Acontece que, com o passar do tempo, se desfigurou o sentido etimológico da palavra “erótico”, reduzindo o conceito a um tipo de satisfação carnal proibida (“sexo sem pecado é como ovo sem sal”, diria o cineasta Luís Buñuel), à nudez, à sacanagem, aos filmes pornôs.  Confundiu-se Eros com Priapo, o deus do sexo, representado com um falo enorme, protetor dos reprodutores e símbolo da procriação.
O Eros verdadeiro é o deus do amor no seu sentido integral, que engloba corpo e alma.  A atração puramente física é animalesca e não humana.  É apenas o bicho que tem o período do cio.  O homem e a mulher se amam (ou deveriam se amar!) sempre e em todos os lugares por uma comunhão de sentimentos que transcende o aspecto corporal. O erotismo, que verdadeiramente funciona e que faz perdurar a atração recíproca por longo tempo, está no olhar apaixonado, na admiração que o amante sente pelas qualidades físicas e espirituais que consegue enxergar na pessoa amada. O erotismo, que realmente e de uma forma mais duradoura estimula o desejo, se encontra na poesia lírica, na pintura, na dança, nos filmes sentimentais, na arte em geral, pois supera o nível do real e penetra no mundo da fantasia, do sonho, do vago sentimento do inacessível.  Por esse prisma, os Cantos de Salomão e a poesia trovadoresca são mais eróticos do que o Kama Sutra. O erotismo está mais no sugerir do que no mostrar totalmente, no claro-escuro, na promessa do idílio, no mistério a ser desvendado, na repetição do ato do amor como se fosse sempre pela primeira vez.  Como diz a poeta Adélia Prado, “erótica é a alma”!  Só que conhecer o espírito de alguém é bem mais difícil do que lhe conhecer o corpo.  Manuel Bandeira nos oferece uma reflexão interessante a respeito:
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
  Porque corpos se entendem; as almas, nem sempre”.
E, sobre a renovação do desejo erótico, esta bela imagem do poeta Mário Quintana: “amar é mudar a alma de casa”. Enfim o erotismo, entendido como prática do amor num sentido bem geral, é onipresente a qualquer atividade humana bem sucedida.  A escritora Lygia Fagundes Telles afirma acertadamente: “Vocação é ter a felicidade de ter como ofício a paixão”.  Mas é a escritora existencialista francesa, Simone de Beauvoir, companheira do grande poeta-filósofo Jean-Paul Sartre, quem melhor define a essência da relação carnal: “O erotismo implica uma reivindicação do instante contra o tempo, do indivíduo contra a sociedade”.